Melhorar além da produtividade
Desde o início da agricultura, a seleção de plantas teve a produtividade como um dos seus principais objetivos. Atualmente, outros tipos de característica são selecionados, levando ao desenvolvimento de variedades com benefícios adicionais para seres humanos, animais e o meio ambiente. Depois do início da década de 1980, passamos a contar com ferramentas da biotecnologia moderna, como a tecnologia do DNA recombinante, que permitiu a geração de variedades tão seguras quanto aquelas obtidas pelos métodos convencionais de melhoramento. Hoje, ferramentas ainda mais modernas estão à disposição dos pesquisadores, como as ferramentas de edição gênica, que permitirão ainda mais avanços nesse campo.
A seleção de plantas tem sido a base do melhoramento genético das principais culturas há milênios. Quase tudo o que comemos evoluiu e mudou ao longo do tempo. Desde o século passado até hoje, os programas de melhoramento de plantas têm buscado por uma maior produtividade e já contribuíram com um aumento de 50 a 200 % para as principais culturas. Os programas de melhoramento da Bayer acompanham essa tendência: cada novo híbrido ou variedade busca superar a versão anterior.
Figura 1. Produtividade das principais culturas, de 1961 a 2018, expressa em toneladas por hectare. Dados: Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – Gráfico: OurWorldInData.org/crop-yields
Figura 2. Produtividade de diferentes híbridos de milho por ano de lançamento. *A produtividade está na unidade de 47 (kg/ha).
No entanto, a produtividade não é o único objetivo do melhoramento. Já durante a domesticação das espécies que a humanidade consome hoje, outras características benéficas foram selecionadas. Há cerca de 5000 anos, as melancias tinham apenas 5 cm de diâmetro e tinham um sabor mais amargo, muito diferente da fruta grande, doce e saborosa que hoje apreciamos. Variedades com mais aroma, menor teor de açúcar, redução do amargor, e maior ou menor sabor ácido também foram selecionadas. Esses objetivos nunca foram perdidos de vista. No milho, por exemplo, os programas de melhoramento buscam maior produtividade, mas também a obtenção de plantas com menor acamamento e quebramento de colmos. A resistência a doenças, como a ferrugem comum, permite ampliar o espectro de condições de plantio, tanto condições geográficas quanto climáticas, além de garantir maior potencial de rendimento.
No passado, os agricultores selecionavam as variedades de plantas com características que consideravam importantes, adaptadas às suas condições, e continuavam a selecionar e a melhorar essa característica ao longo de várias centenas de gerações. Agora, em vez de selecionar apenas com base na fenotipagem das plantas, já é possível detectar variações na sequência do DNA diretamente na semente, antes mesmo do plantio, e assim prever como essas variações no DNA afetarão o desempenho das plantas da próxima geração, sendo possível já selecionar os melhores ou mais desejados exemplares. Essa busca por novas características de interesse exige que os melhoristas (breeders) incluam variedades selvagens, para introduzir diversidade no germoplasma das culturas a serem melhoradas.
Figura 3. Esquema geral do processo de melhoramento convencional, composto de três estágios: 1. Mapeamento de características; 2. Introgressão de característica e; 3. Testes de campo. O tempo aproximado necessário para cada estágio é mostrado, usando o milho, que tem um tempo de geração de 3–4 meses, como exemplo. O número aproximado de plantas e localizações de campo no estágio de Teste de Campo também é representativo de um programa de melhoramento de milho.
Um artigo recente escrito por pesquisadores das Universidades de Michigan e Washington, juntamente com profissionais da Bayer, discute o papel do melhoramento tradicional na obtenção de níveis seguros de toxinas naturais nos alimentos (Kaiser et al., 2020). O aipo, a mandioca e a batata são exemplos de culturas que produzem toxinas naturalmente. Ao longo do processo de melhoramento das características de interesse, cruzamentos com variedades comerciais e testes de campo, os melhoristas monitoram o teor dessas toxinas. As novas tecnologias também contribuem para o melhoramento. O uso de marcadores moleculares (diferenças nos genomas associados a uma característica) permite que os melhoristas selecionem geneticamente materiais com menores teores de toxinas. Por exemplo, o uso de marcadores associados a genes para a síntese de alcaloides na batata pode ajudar a reduzir os níveis dessas toxinas na cultura de forma mais precisa.
Ferramentas de engenharia genética também podem ajudar a reduzir os níveis de toxinas, silenciando os genes envolvidos. Como as toxinas geralmente cumprem uma função protetora contra insetos, busca-se também conseguir um silenciamento dos genes na parte colhida (em geral o fruto), enquanto são mantidos no resto da planta (Cárdenas et al., 2016; Mariot et al., 2016). A engenharia genética também tem sido uma alternativa para reduzir a alergenicidade ou intolerância em alimentos como amendoim, soja e cereais.
O melhoramento de plantas tem se beneficiado de ferramentas de engenharia genética modernas, que podem, inclusive, ser benéficas para as pessoas (consumidores), animais e meio ambiente. A biotecnologia, por exemplo, permite aos cientistas criar organismos geneticamente modificados (OGM), identificando genes de interesse em diferentes espécies e que ocorrem naturalmente no meio ambiente para serem integrados no genoma de plantas, resultando em proteção contra pragas e doenças, permitindo melhor controle de plantas daninhas pela característica de tolerância a herbicidas, melhorando o sabor dos alimentos ou até mesmo permitindo o incremento do seu perfil nutricional. É o caso da soja GM com alto teor de ácido oleico, que reduz o teor de gordura saturada nos alimentos fritos. No campo da edição gênica, a empresa Pairwise, que trabalha em colaboração com a Bayer para melhorar milho, soja, trigo, canola e algodão, também está usando técnicas inovadoras de melhoramento de precisão (TIMPs) para editar o genoma da mostarda. Esta planta, rica em nutrientes e muito utilizada na culinária asiática, tem um sabor muito forte se consumida crua, por isso procura-se editá-la para ampliar a sua aceitação.
Esses são apenas alguns exemplos de como o melhoramento tradicional, aliado à ciência e inovação das novas técnicas de engenharia genética, consegue desenvolver variedades cada vez mais produtivas e nutritivas, utilizando menos recursos naturais e com a mesma segurança que as plantas oriundas de métodos convencionais.
“A inserção de genes de interesse e características (ou traits) em grandes culturas tem o papel de ajudar os agricultores a produzirem mais por meio de um manejo mais eficiente e sustentável de pragas, doenças e plantas daninhas, o que é fundamental para a agricultura moderna! Quando consideramos as novas técnicas de engenharia genética aliadas ao melhoramento genético de plantas, aumentamos muito o potencial de se obter plantas que atendam as necessidades e desejos de produtores e consumidores, e que sejam mais nutritivas para animais e benéficas para o meio ambiente.”
— Melina Andrade, Coordenadora de Introgressão de Traits em Soja
Bibliografia
- Kaiser, N., Douches, D., Dhingra, A., Glenn, K. C., Herzig, P. R., Stowe, E. C., & Swarup, S. (2020). The role of conventional plant breeding in ensuring safe levels of naturally occurring toxins in food crops. Trends in Food Science & Technology, 100, 51–66. https://doi.org/10.1016/j.tifs.2020.03.042
- Yang, Z., Li, G., Tieman, D., & Zhu, G. (2019). Genomics Approaches to Domestication Studies of Horticultural Crops. Advance of Horticultural Plant Genomes, 5(6), 240–246. https://doi.org/10.1016/j.hpj.2019.11.001